Contratos leoninos beneficiam grupos privados

Parcerias Público Privadas<br>lesam o Estado

Eugénio Rosa

As PPP cus­taram ao Es­tado 1487 mi­lhões euros em 2015 e em 2016 esses custos sobem para 1690 mi­lhões euros. As taxas de ren­ta­bi­li­dade ob­tidas pelos grupos pri­vados que ob­ti­veram essas con­ces­sões (entre cerca de cinco por cento e 17 por cento) re­sultam de con­tratos le­o­ninos le­sivos para o Es­tado. É ur­gente in­verter esta po­lí­tica.

Os en­cargos com as PPP, no lugar de di­mi­nuírem, até au­men­taram com a «re­ne­go­ci­ação» feita pelo go­verno PSD/​CDS

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Em 2012, a em­presa de con­sul­toria Ernst & Young re­a­lizou, a pe­dido do go­verno de então, o «Es­tudo de 36 con­tratos de Par­ce­rias Pú­blico Pri­vadas (PPP) do Es­tado Por­tu­guês». Esta aná­lise das par­ce­rias – que abrange as con­ces­sões a grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros das au­to­es­tradas do Norte Li­toral, Grande Porto, Costa da Prata, Beiras Li­toral e Alta, Beira In­te­rior, Al­garve, In­te­rior Norte (ex-SCUT), e também as da Grande Lisboa, Norte, Trans­mon­tana, Douro In­te­rior, Al­garve Li­toral, Baixo Alen­tejo, Li­toral Oeste, Pi­nhal In­te­rior, Oeste Li­toral Centro, Douro Li­toral, in­cluindo a Lu­so­ponte e o Túnel do Marão, e as par­ce­rias da saúde e se­gu­rança – re­velou que as taxas de ren­ta­bi­li­dade (TIR) ob­tidas pelos grupos pri­vados que ob­ti­veram estas con­ces­sões va­ri­avam entre 4,96 por cento (au­to­es­trada do Norte) e 17,35 por cento (Beiras Li­toral e Alta).

Uma taxa de ren­ta­bi­li­dade de 17,35 por cento está as­so­ciada na­tu­ral­mente a con­tratos le­o­ninos e a lu­cros ex­ces­sivos que poucas em­presas atu­al­mente obtêm.

Nessa al­tura, uti­li­zando os dados re­co­lhidos pela Ernst & Young sobre as PPP, que cons­tavam desse es­tudo, mos­trámos, fa­zendo os cál­culos ne­ces­sá­rios, que re­du­zindo as exor­bi­tantes taxas de ren­ta­bi­li­dade dos aci­o­nistas acor­dadas e fi­nan­ci­adas pelo Es­tado e pelos utentes para va­lores mais con­sen­tâ­neos com a prá­tica do mer­cado, obter-se-iam ele­vadas pou­panças para o Es­tado, como mos­tram os dados do Quadro 1.

A pou­pança anual que o Es­tado ob­teria se re­du­zisse as taxas de ren­ta­bi­li­dades dos aci­o­nistas pri­vados que, como se re­feriu, chegam a atingir mais de 17 por cento, para uma taxa de ren­ta­bi­li­dade entre os cinco por cento (al­gumas das con­ces­sões ti­nham taxas de ren­ta­bi­li­dade pró­ximas deste valor) e sete por cento (que é uma taxa de ren­ta­bi­li­dade que está acima da pra­ti­cada no mer­cado) va­ri­aria, em média, entre 687,4 mi­lhões euros e 447,9 mi­lhões euros por ano. Tal me­dida seria im­por­tante pois con­teria tanto os en­cargos atuais como fu­turos do Es­tado neste setor, que se estão a tornar in­com­por­tá­veis de­vido ao tipo de con­tratos as­si­nados por go­vernos do PSD e do PS.

Como re­vela o grá­fico, só du­rante a atual le­gis­la­tura (2015/​2018) prevê-se que o Es­tado tenha de su­portar 6253 mi­lhões euros de en­cargos com as Par­ce­rias Pú­blico Pri­vadas, sendo 4408 mi­lhões euros com as ro­do­viá­rias (au­to­es­tradas). E isto a preços de 2015, pois a preços cor­rentes de cada ano será cer­ta­mente um valor mais ele­vado.

A «re­dução» dos en­cargos das PPP
pro­pa­gan­deada pelo PSD/​CDS

O PSD/​CDS, du­rante os anos em que foi go­verno, en­cheu os ór­gãos de co­mu­ni­cação so­cial com no­tí­cias sobre as pou­panças que tinha ob­tido com a re­ne­go­ci­ação dos con­tratos de Par­ceria Pú­blico Pri­vado. Por exemplo, em 9 de Abril de 2015, os media di­vul­garam as se­guintes de­cla­ra­ções do então mi­nistro da Eco­nomia, Pires de Lima: «Foi um bom dia porque foi apro­vado em Con­selho de Mi­nis­tros o fecho da ne­go­ci­ação de facto de seis PPP, que no total re­pre­sentam uma pou­pança para os con­tri­buintes por­tu­gueses de 2020 mi­lhões de euros». E o mesmo órgão de co­mu­ni­cação so­cial acres­cen­tava: «Go­verno aprovou esta quinta-feira os novos con­tratos de seis con­ces­sões ro­do­viá­rias que re­sul­taram da re­ne­go­ci­ação de­sen­vol­vida ao longo de três anos para re­duzir os en­cargos do Es­tado com as Par­ce­rias Pú­blico Pri­vadas (PPP). O pri­meiro pa­cote de ne­go­ci­a­ções fe­chado, in­cluindo já o acordo dos bancos fi­nan­ci­a­dores e as al­te­ra­ções le­gais, vai per­mitir uma pou­pança acu­mu­lada da ordem 2000 mil mi­lhões de euros, ao longo do prazo das con­ces­sões. Para fe­char este grupo, que in­clui quatro an­tigas SCUT e duas con­ces­sões com por­ta­gens (Norte e Grande Lisboa), falta apenas a luz verde do Tri­bunal de Contas que terá de va­lidar as novas bases de con­cessão. Cinco destas con­ces­sões são ex­plo­radas pela As­cendi, em­presa do grupo Mota-Engil. A sexta, In­te­rior Norte, tem aci­o­nistas es­tran­geiros».

No en­tanto, se ana­li­sarmos os en­cargos pre­vistos com as PPP antes da ne­go­ci­ação e de­pois da ne­go­ci­ação, con­clui-se que pra­ti­ca­mente se mantêm os mesmos va­lores. No Re­la­tório do Or­ça­mento do Es­tado para 2012, por­tanto antes da ne­go­ci­ação, previa-se que os en­cargos lí­quidos das PPP no pe­ríodo 2015-2018 so­massem 5863 mi­lhões euros a preços de 2012. No Re­la­tório do Or­ça­mento do Es­tado para 2016 prevê-se que, no mesmo pe­ríodo, os en­cargos lí­quidos com as PPP (de­pois de de­du­zidas as re­ceitas das por­ta­gens) atinjam 6253 mi­lhões euros a preços de 2015, ou seja, mais 6,7 por cento, que é su­pe­rior ao au­mento de preços ve­ri­fi­cado entre 2012 e 2015. No Re­la­tório do OE-2016, na pág. 49, a

pro­pó­sito do re­sul­tado das ne­go­ci­a­ções re­la­tivas a nove con­tratos de ne­go­ci­ação de Par­ce­rias Pú­blico-Pri­vadas (Ex-SCUT: Norte Li­toral, Grande Porto, In­te­rior Norte, Costa da Prata, Beira Li­toral/​Beira Alta, Beira In­te­rior e Al­garve e ainda as con­ces­sões do Norte e da Grande Lisboa) pode-se ler o se­guinte: «A re­dução de en­cargos lí­quidos para o Es­tado, re­sul­tante da ne­go­ci­ação destes con­tratos, pode as­cender a cerca de 722 mi­lhões de euros, em va­lores atu­a­li­zados sem IVA, por re­fe­rência a De­zembro de 2012, para o pe­ríodo com­pre­en­dido entre 2013 e o termo das re­fe­ridas par­ce­rias». Por­tanto, um valor muito in­fe­rior ao anun­ciado por Pires Lima.

Para além disso, e como consta do pró­prio Re­la­tório do OE-2016, «a re­dução tem de ser com­pa­rada com os en­cargos as­su­midos pelo Es­tado antes do pro­cesso de re­ne­go­ci­ação e in­clui os se­guintes im­pactos, re­sul­tantes da trans­fe­rência de riscos e da as­sunção de en­cargos adi­ci­o­nais, bem como da re­dução de re­ceitas para o Es­tado, a saber: (1) Trans­fe­rência dos en­cargos com grandes re­pa­ra­ções em oito dos nove con­tratos re­ne­go­ci­ados, que passam a ser as­su­midos pelo Es­tado no fu­turo, de acordo com o novo mo­delo de fi­nan­ci­a­mento acor­dado; (2) Trans­fe­rência das re­ceitas de por­tagem na con­cessão da Beira In­te­rior para a con­ces­si­o­nária, de acordo com o novo mo­delo re­mu­ne­ra­tório acor­dado para esta par­ceria; (3) Par­tilha de be­ne­fí­cios fi­nan­ceiros em seis dos nove con­tratos re­ne­go­ci­ados; (4) Pos­si­bi­li­dade de pror­ro­gação do prazo de con­cessão em cinco dos nove con­tratos re­ne­go­ci­ados, na sequência do me­ca­nismo de par­tilha de re­ceitas de por­tagem acor­dados. E aquela es­ti­ma­tiva de re­dução de en­cargos lí­quidos de­cor­rente da ne­go­ci­ação destes con­tratos, sendo uma pro­jeção, pode va­riar em função de va­riá­veis di­nâ­micas, como é o caso dos en­cargos efe­tivos que vi­erem a ser su­por­tados pelo Es­tado em grandes re­pa­ra­ções e em função do perfil de trá­fego efe­tivo que venha a ve­ri­ficar-se nos em­pre­en­di­mentos ro­do­viá­rios em apreço. De re­ferir ainda que da ne­go­ci­ação destes con­tratos re­sultou o alar­ga­mento do prin­cípio de neu­tra­li­dade fiscal re­la­ti­va­mente a va­ri­a­ções na tri­bu­tação di­reta sobre o lucro». Por­tanto, mais be­ne­fí­cios para os grupos pri­vados.

Por ou­tras pa­la­vras, os re­sul­tados em termos de pou­panças para o Es­tado re­sul­tantes das «re­ne­go­ci­a­ções» feitas du­rante o go­verno PSD/​CDS até podem ser nulos, ou mesmo de­ter­minar no fim um au­mento de en­cargos para o Es­tado. Isto até é con­fir­mado pela «Aná­lise à Pro­posta de Lei do OE-2016» feita pela UTAO pois, se­gundo ela, o valor atu­a­li­zado para 2016 dos en­cargos lí­quidos com as PPP era de 10 202 mi­lhões euros em 2012 e de 10 509 mi­lhões euros em 2016. E como se afirma no mesmo re­la­tório de aná­lise, «a pre­visão de de­crés­cimo dos en­cargos lí­quidos cons­tante do OE-2013 foi re­vista nos OE sub­se­quentes, so­bre­tudo de­vido à re­visão em baixa das re­ceitas pre­vistas com as PPP ro­do­viá­rias, mas também de­vido a uma re­visão em alta dos en­cargos brutos pre­vistos com as estas par­ce­rias» (pág. 115). Por­tanto os en­cargos com as PPP, no lugar de di­mi­nuírem, até au­men­taram com a «re­ne­go­ci­ação» feita pelo go­verno PSD/​CDS.

Para com­pletar este quadro das PPP in­te­ressa saber quais os grupos pri­vados be­ne­fi­ci­ados com as Par­ce­rias Pú­blico Pri­vadas. Se­gundo a Er­nest Young são os se­guintes: Brisa, do grupo José de Mello e do Fundo de In­ves­ti­mentos Arcus (com 1244Kms); Mota-Engil (com 535Kms); Grupo Es­pí­rito Santo (283Kms), In­di­rium Con­se­ci­ones e In­fra­es­truc­turas, SA (280Kms), Cintra (170Kms), EDIFER (145Kms), So­ares da Costa (131 Kms) e Tec­novia (111Kms).

O que é pre­ciso fazer
que ainda não foi feito

Pe­rante estes dados con­tra­di­tó­rios é ur­gente fazer o que nunca foi feito. Em pri­meiro lugar, é pre­ciso tornar todas as ne­go­ci­atas das Par­ce­rias Pú­blico Pri­vadas trans­pa­rentes, di­vul­gando in­te­gral­mente os con­tratos as­si­nados, pois são os por­tu­gueses, com os im­postos e as por­ta­gens que pagam, que su­portam os en­cargos com as PPP.

Por­tanto, é ur­gente tornar trans­pa­rente toda esta si­tu­ação, pois ela nunca foi di­vul­gada mesmo aos de­pu­tados (quando es­tive na AR como de­pu­tado so­li­citei ao go­verno de Só­crates os con­tratos das PPP as­si­nados com os grupos pri­vados, mas este re­cusou-se a di­vulgar vá­rias cláu­sulas, em par­ti­cular a cha­mada «cláu­sula de dis­po­ni­bi­li­dade» que ga­rante lu­cros certos e ele­vados aos grupos eco­nó­micos mesmo que não haja trá­fego su­fi­ci­ente que fi­nancie esses lu­cros, com o ar­gu­mento de que eram cláu­sulas con­fi­den­ciais).

Em se­gundo lugar, como um dos ob­je­tivos anun­ci­ados pelo go­verno PSD/​CDS da re­ne­go­ci­ação das PPP era pre­ci­sa­mente «a re­dução da taxa in­terna de ren­ta­bi­li­dade (TIR) aci­o­nista em caso base», para assim re­duzir os en­cargos para o Es­tado, como consta da pág. 74 do Re­la­tório do OE-2015, é im­por­tante que seja co­nhe­cida a TIR atual de cada uma das con­ces­sões, antes e de­pois da ne­go­ci­ação, e qual foi a re­dução que desta forma se con­se­guiu nos en­cargos para o Es­tado. E se nada foi feito, e se as taxas de ren­ta­bi­li­dade dos pri­vados con­ti­nu­arem a ser ex­ces­sivas há que re­ne­go­ciar e impor taxas mais baixas que im­peçam que os grupos pri­vados ob­te­nham lu­cros ex­ces­sivos à custa dos utentes das au­to­es­tradas e dos con­tri­buintes.

Em ter­ceiro lugar, como a re­dução de en­cargos re­sulta também de cortes em in­ves­ti­mentos que já não serão re­a­li­zados, in­te­ressa que seja ela­bo­rada uma lista dos in­ves­ti­mentos cor­tados e os res­pe­tivos custos, para assim se poder ficar a saber quais os re­sul­tados desses cortes tanto em vo­lume fi­nan­ceiro como em termos de aces­si­bi­li­dades e, con­se­quen­te­mente, da sua jus­teza ou da falta dela.

Fi­nal­mente, como a re­dução dos en­cargos também re­sulta da trans­fe­rência da res­pon­sa­bi­li­dade das grandes re­pa­ra­ções das au­to­es­tradas dos grupos pri­vados para o Es­tado, ou seja, para a en­ti­dade pú­blica «In­fra­es­tru­turas de Por­tugal», in­te­ressa saber que en­cargos os grupos pri­vados dei­xaram de su­portar, e qual o mon­tante de en­cargos e custos que o Es­tado e, em par­ti­cular, a em­presa pú­blica «In­fra­es­tru­turas de Por­tugal» terá de su­portar, para assim se poder ava­liar quem foi be­ne­fi­ciado (Es­tado ou grupos pri­vados). Isto até porque se prevê que os pre­juízos desta en­ti­dade pú­blica (IP) au­mentem, entre 2015 e 2016, de 630 mi­lhões euros para 1131 mi­lhões euros, o que con­tri­buirá para o au­mento do dé­fice or­ça­mental, já que en­tram no cál­culo deste. E cer­ta­mente este agra­va­mento de pre­juízos de­verá re­sultar também da trans­fe­rência dos custos de ma­nu­tenção das au­to­es­tradas dos grupos pri­vados para o Es­tado pois está as­so­ciado a um au­mento de des­pesa deste IP em 2016 como consta do pró­prio do­cu­mento de aná­lise UTAO.